Nesta semana, mais uma lista com bets proibidas foi divulgada pelo Ministério da Fazenda. STF mandou governo federal cancelar o uso de cartões do bolsa família para apostas. A jornalista Ana Paula Mendes comenta essa ligação do brasileiro com os jogos de azar e com a vontade de ficar rico sem trabalhar.
"Nunca mais eu pego o meu dinheiro pra fazer apostas nas bets", desabafou o entregador Evandro Frigato, de Cabo Frio. Em setembro, após comemorar o ganho de R$ 300, Evandro amargou um prejuízo de R$ 700 com as apostas online, incluindo a bolada que tinha recebido com os jogos. "Fiquei sem dinheiro pra arrumar minha moto", disse. Evandro está entre os 22 milhões de brasileiros que disseram ter apostado em sites de aposta online, conhecidos como "bets", só em setembro. A pesquisa é do Instituto DataSenado. É como se 13% dos brasileiros com mais de 16 anos tivessem feito uma "fezinha" em jogos pela internet. "A gente fica muito empolgado com esses jogos. Comecei ganhando todas! Mas depois foi derrota em cima de derrota e quando vi já tinha perdido muito dinheiro", disse Evandro, garantindo que nunca mais vai fazer esse tipo de investimento.
Nesta semana, o Ministério da Fazenda pediu a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para bloquear mais 1.800 sites de apostas ilegais nos próximos dias. Só neste ano, o Ministério já solicitou o bloqueio de cerca de 5 mil domínios. Os bloqueios devem ser feitos por cerca de 20 mil empresas de telecomunicações que fornecem sinal de internet no Brasil. A previsão é que todas estejam fora do ar em 2025. Por enquanto, apenas sites que fazem parte de uma lista divulgada pelo governo federal e que tem cerca de 200 bets, de 93 empresas, podem funcionar no Brasil.
A partir do próximo ano, essas bets terão que seguir uma série de regras. Entre elas, a proibição para o uso do cartão de crédito para fazer apostas, medida adotada para evitar o endividamento. As casas de aposta online ainda terão que alertar o consumidor sobre os perigos do vício em jogos, assim como a indústria do tabaco é obrigada a fazer nos maços de cigarro. Além disso, os sites vão pagar impostos e prestar contas para o governo brasileiro. Uma forma de impedir o uso das bets para lavar dinheiro do crime organizado.
Foi por incentivar bets envolvidas com crime, que a polícia realizou centenas de operações neste ano em todo Brasil. E em cada operação, geralmente, um influenciador digital foi preso por divulgar apostas que estavam apenas lesando o consumidor ou que estariam envolvidas na lavagem de dinheiro sujo. O assunto também ganhou o Congresso Nacional e a CPI das Bets, no Senado, já começou a ouvir depoimentos. Nesta semana, a CPI aprovou a convocação das influenciadoras Deolane Bezerra e GKay; dos cantores Jojo Todynho e Wesley Safadão; e do humorista Tirulipa. Também foram aprovadas os comparecimentos de donos de sites de apostas.
As datas para os comparecimentos dos convocados ainda serão agendadas. Exceto Deolane, convocada na condição de investigada, os demais foram convocados como testemunha. Em ambos os casos eles são obrigados a comparecer à CPI, mas apenas as testemunhas têm a obrigação de dizer a verdade. Os investigados costumam recorrer ao Supremo Tribunal Federal para garantir o direito de se manter em silêncio, como forma de se proteger de eventuais acusações, já que a CPI entende que a pessoa possui algum envolvimento com o caso investigado.
Instalada na semana passada, a CPI tem prazo de 123 dias para investigar a “influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras”, além da possível associação com organizações criminosas em práticas de lavagem de dinheiro". A CPI ainda quer apurar se influenciadores estão envolvidos na promoção de apostas online, nas redes sociais. No mês de setembro, Deolane Bezerra ficou presa por 15 dias após operação contra uma organização criminosa suspeita de lavagem de dinheiro e prática de jogos ilegais.
"Muitos jogadores com vícios estão pedindo dinheiro a agiotas, isso é muito grave. São bilhões de reais que estão saindo do nosso comércio e, com isso, o setor de serviços está sentindo muito", afirmou a relatora da CPI, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
ENDIVIDAMENTO - Cinco em cada dez endividados já fizeram pelo menos uma aposta, e 34% continuam apostando, revela uma pesquisa da Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, divulgada nesta semana. Entre principais razões para começar a apostar incluem a tentativa de obter dinheiro rápido para pagar contas (29%) e a busca por uma renda extra (27%). Segundo a pesquisa, 10% dos apostadores revelaram que já solicitaram crédito para jogar, e 52% admitem ter perdido mais dinheiro do que ganharam. Além disso, 57% não estavam endividados quando começaram a apostar.
Patrícia Camillo, gerente executiva da Serasa, alerta que muitas pessoas, ao buscarem soluções rápidas para quitar seus débitos, podem acabar se endividando ainda mais. "Na tentativa desorganizada de pagar as dívidas, os brasileiros podem acabar aumentando seus débitos. O apostador prudente é aquele que consegue definir limites, evitando que o entretenimento comprometa o orçamento e a saúde familiar", disse.
BOLSA FAMÍLIA - O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou, nesta semana, que o governo adote imediatamente medidas de "proteção especial" para impedir o uso de recursos de programa assistenciais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), em apostas online. Segundo o Banco Central, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões às casas de apostas virtuais apenas no mês de agosto.
O governo federal informou que vai seguir a determinação e que começou a impedir o uso dos cartões dos programas sociais para o pagamento de apostas. Mas não deu prazo para que a medida seja efetivamente aplicada.
VÍCIO - O vício em jogos é um problema que afeta, segundo estudos da USP (Universidade de São Paulo), cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil. De acordo com o Senado Federal, a ludopatia, ou vício em jogos, é o terceiro vício mais frequente no país, atrás apenas do álcool e do tabagismo. "Faltam políticas públicas para tratar o vício em jogos como uma doença. É preciso ter mecanismos sociais para ajudar essas pessoas", disse a psicóloga Elizabeth Carneiro. “Isso é um grande perigo social. Agora, quando é que a gente sabe que tá passando do normal para o patológico? A gente fala que é quando o jogador começa a jogar para recuperar. Ele não está mais jogando como uma coisa lúdica, ele precisa voltar, virar a noite, pra recuperar o que já perdeu”, finalizou.
"Pra quem não nasceu rico, não tem jeito. Tem que trabalhar pra ganhar dinheiro. Aposta é jogo de azar", concluiu o entregar Evandro Frigato, que já conseguiu recuperar o prejuízo com os jogos online.
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